quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Leitura complementar...


A descoberta da Justificação.
“Quando um enunciado é feito, duas questões importantes podem ser imediatamente colocadas: De que maneira chegou a ser concebido? Que razões existem para aceita-la como verdadeiro? Trata-se de duas questões diferentes. Seria um grave erro confundi-las, e um erro pelo menos tão serio quanto esse é confundir as respostas. A primeira pergunta relaciona-se com a descoberta; as circunstâncias lembradas por ela formam o contexto da descoberta. A segunda relaciona-se com a justificação; assuntos que aqui se tornam relevantes cabem no contexto da justificação.
Sherlock Holmes é um bom exemplo de pessoa com soberbos poderes de raciocínio. Sua habilidade ao inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento. Holmes é muito capaz de fazer inferências do que seus métodos ao amigo, e Watson é um homem inteligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de Holmes defluem de fatores como a sua aguda curiosidade, a sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus poderes de percepção a grande massa de informações acumuladas e a sua extrema sagacidade. Nenhum conjunto de regras pode substituir essas capacidades.
Se existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na realidade, o pensamento efetivo exige um constante jogo de imaginação e de pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a bloquear o pensamento. As ideias mais frutíferas são, com frequência, justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como for, ao discutirmos as específicas regras da lógica, se fossem aceitas como orientadoras dos modos de pensar transformar-se-iam numa verdadeira camisa de força.
O que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento. Frisamos de modo enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a lógica não pode fazer. Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece-nos métodos de crítica para avaliação coerente das inferências. É nesse sentido, talvez, que a lógica está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Complementada uma inferência, é possível transformá-la em argumento e correto ou não. A Lógica não nos ensina como inferir: indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar. Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de um martelo conhece sua utilidade. A lógica interessa-se pela justificação, não pela descoberta. A lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a boa compreensão daquilo que se comunica e se aprende”.

ARGUMENTAÇÃO


A argumentação é um discurso em que encadeamos proposições para chegar a uma conclusão.
Exemplo 1:
O mercúrio não é sólido.            (premissa maior)
O mercúrio é um metal.             (premissa menor)
Logo, algum metal não é sólido.      (conclusão)
Estamos diante de uma argumentação composta por três proposições em que a última, a conclusão, deriva logicamente das duas anteriores, chamadas premissas.
Aristóteles denomina silogismo esse tipo de argumentação. Em grego, silogismo significa “ligação”: a ligação de dois termos por meio de um terceiro. No exemplo, há os termos “mercúrio”, “metal” e “sólido”. Conforme a posição que ocupam na argumentação, os termos podem ser médio, maior ou menor:
      ·        Termo médio é aquele que aparece nas premissas e faz a ligação entre os outros dois: “mercúrio” é o termo médio, que liga “metal” e “sólido”;
      ·        Termo maior é o termo predicado da conclusão: “sólido”;
      ·        Termo menor é o termo sujeito da conclusão: “metal”.
Examinemos este outro silogismo:
Exemplo 2
Todos os cães são mamíferos.
Todos os gatos são mamíferos.
Logo, todos os gatos são cães.
Nesse silogismo as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa; a argumentação é inválida.
Vejamos mais um silogismo:
Exemplo 3
Todos os homens são louros
Pedro é homem
Logo, Pedro é louro.
Percebemos que a primeira premissa é falsa e, apressadamente, concluímos que o raciocínio não é válido. Engano: estamos diante de um argumento logicamente válido, isto é, que não fere as regras do silogismo – mais adiante veremos por quê.
Exemplo 4
Todo inseto é invertebrado.
Todo inseto é hexápode (tem seis patas).
Logo, todo hexápode é invertebrado.
Nesse caso, todas as proposições são verdadeiras. No entanto, a inferência é inválida.
REGRAS DO SILOGISMO
Primeiramente, vamos distinguir verdade e validade. Em seguida, consultaremos as regras do silogismo para saber se um argumento é válido ou inválido.
VERDADE E VALIDADE
É preciso muita atenção no uso de verdadeiro/falso, válido/inválido.
      ·        As proposições podem ser verdadeiras ou falsas: uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa.
      ·        Os argumentos são válidos ou inválidos (e não verdadeiros ou falsos): um argumento é válido quando sua conclusão é consequência lógica de suas premissas.
Examinemos agora os argumentos dos quatro exemplos dados anteriormente a fim de aplicar-lhes o que aprendemos. Os exemplos 2 e 4 são inválidos. Vejamos por quê.
      ·        Exemplo 2 (todos os cães...): o termo médio – que aparece na primeira e na segunda premissas – é “mamífero” e faz ligação entre “cão” e “gato”. Segundo a regra 5 do silogismo, o termo médio deve ter pelo menos uma vez extensão total, mas na duas proposições ele é particular, ou seja, “Todos os cães são (alguns dentre os) mamíferos” e “Todos os gatos são (alguns dentre os) mamíferos”.
      ·        Exemplo 4 (Todo inseto...): os três termos são “inseto”, “hexápode” e “invertebrado”. O termo menor, “hexápode”, tem extensão particular na premissa menor: “Todo inseto é (algum) hexápode”, mas na conclusão é tomado em toda extensão (todo hexápode). Portanto, fere a regra 6.
AS OITO REGRAS DO SILOGISMO
 1.      O silogismo só deve ter três termos (o maior, o menor e o médio).
      2.      De duas premissas negativas nada resulta.
      3.      De duas premissas particulares nada resulta.
      4.      O termo médio nunca entra na conclusão.
      5.      O termo médio deve ser pelo menos uma vez total.
      6.      Nenhum termo pode ser total na conclusão sem ser total nas premissas.
      7.      De duas premissas afirmativas não se conclui uma negativa.
      8.      A conclusão segue sempre a premissa mais fraca (se nas premissas uma delas for negativa; se uma for particular, a conclusão deve ser particular) 

sábado, 22 de setembro de 2012

Princípios da lógica


Para compreender as relações que se estabelecem entre as proposições, foram definidos os primeiros princípios da lógica, assim chamados por serem anteriores a qualquer raciocínio e servirem de base a todos os argumentos. Por serem princípios, são de conhecimento imediato e, portanto, indemonstráveis.
Geralmente distinguem-se três princípios: o de identidade, o de não contradição e o do terceiro excluído.
      ·        Segundo o princípio de identidade, se um enunciado é verdadeiro, então ele é verdadeiro.
      ·        O princípio de não contradição – que alguns denominam simplesmente principio de contradição – afirma que não é o caso de um enunciado e de sua negação. Portanto, duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras: se for verdadeiro que “alguns seres humanos não são justos”, é falso que “todos os seres humanos são justos”.
      ·        O principio do terceiro excluído – ás vezes chamado principio do meio excluído – afirma que nenhum enunciado é verdadeiro nem falso. Ou seja, não há um terceiro valor. Como disse Aristóteles, “entre os opostos contraditórios não existe um meio”.
A essa altura da exposição, é possível perceber que as proposições podem relacionar-se por oposição e dependência.

Termo e Proposição


A proposição é um enunciado no qual afirmamos ou negamos um termo (um conceito) de outro. No exemplo “todo cão é mamífero” (Todo C é M), temos uma proposição em que o termo “mamífero” afirma-se do temo cão.
       a)      Qualidade e quantidade: as proposições podem ser distinguidas pela qualidade e pela quantidade
Quanto à qualidade, são afirmativas ou negativas: “Todo C é M” ou “Nenhuma C é M”;
Quanto à quantidade são gerais – universais ou totais – ou particulares. Estas últimas podem ser singulares caso se refiram a um só indivíduo: “Todo C é M”; “Algum C é M”; “Este C é M”, respectivamente.
Exercitando:
       ·        “Todo cão é mamífero”: proposição universal afirmativa;
       ·        “Nenhum animal é mineral”: universal negativa;
       ·        “Algum metal não é sólido”: particular negativa;
       ·        “Sócrates é mortal”: singular afirmativa.
       b)     Extensão dos termos: a extensão é amplitude de um termo, isto é, a coleção de todos os seres que o termo designa no contexto da proposição. È fácil identificar a extensão do sujeito, mas a do predicado exige maior atenção. Observe os seguintes exemplos:
      ·        Todo paulista é brasileiro (Todo P é B)
      ·        Nenhum brasileiro é argentino (Todo B não é A)
      ·        Algum paulista é solteiro (Algum P é S)
      ·        Alguma mulher não é justa (Alguma M não é J)

Grandes Mestres!


Diógenes de Sínope: “um Sócrates furioso”.
A expressão que dá título a este trabalho, supostamente atribuída a Platão, por si só já nos leva ao encontro da natureza radical que a escola cínica apresentava, bem como seu principal representante: Diógenes de Sínope.
Tanto o cinismo como Diógenes encontram-se envoltos em muita polêmica e controvérsia. Fato emblemático que gera cores ainda mais abrasadoras sobre essa escola e esse personagem que revelam e confirmam uma das características mais fascinantes e originais da Filosofia: o combate contumaz à doxa, a alergia patológica ao lugar-comum e seus inúmeros representantes da verdade obediente, arquiteta tirânica do pensar e agir humanos, nas suas relações com o mundo e consigo mesmo.
Sobre o cinismo, sabemos que surgiu em Atenas entre os séculos III e IV a.C e teve em Antístenes (440-336 a.C) seu fundador. Este, por sua vez, foi discípulo de Sócrates, chegando mesmo a afirmar, em determinado momento, que seus seguidores eram condiscípulos de Sócrates, vindo mais tarde a se afastar da escola socrática a fim de estabelecer os contornos da sua própria escola. A palavra cinismo vem do grego Kynismós, no latim cynismu. Sua essência semântica nos remete à “igual a um cão”. Porém, não existe consenso até mesmo entre os estudiosos da língua e desta escola. É corrente também a influência da palavra grega kion, kinos, que significa cachorro,, cão, visto que a edificação desta escola se deu no Ginásio Cinosarge (cachorro branco), onde Antístenes se reunia com seus discípulos. Todavia, a evidência que dá personalidade a todas essas conjecturas vem do fato de os atenienses se referiam aos cínicos como cães e eles próprios assumirem essa alcunha com pueril diligência.
Os cínicos eram facilmente identificados onde quer que chegassem: comiam, bebiam, dormiam, faziam sexo, defecavam, masturbavam-se em qualquer lugar. Acomodando-se, da mesma forma, prazerosamente em ruas, calçadas, praças, feiras, mercados, onde quer que lhes coubessem. Sempre maltrapilhos, ou mesmo nus, escandalizavam a todos, deixando no ar uma tênue linha imaginária entre o deboche total às convenções sociais e um fundamentalismo filosófico militante.
Diógenes de Sínope (413-323 a.C), principal representante da escola cínica, teve uma vida conturbada, mas bastante coerente e ativa após ser admitido como discípulo por Antístenes. Envolveu-se em fraudes, viveu no exilio e como escravo até encontra-se definitivamente com a Filosofia, já na segunda metade de sua existência. A sua admissão por Antístenes não foi fácil, aconteceu aos solavancos e ameaças de porretadas. “Chegando a Atenas encontrou-se com Antístenes; repelido por este que nunca recebia bem os discípulos, graças à sua perseverança conseguiu convencê-lo. Certa vez, quando Antístenes ergue o bastão contra Diógenes, este ofereceu a cabeça, acrescentando: ‘Golpeia, pois não acharás madeira tão dura que possa fazer-me desistir de conseguir que me digas alguma coisa, como me parece que é o teu dever’”.
O cinismo de Diógenes não condiz com a acepção moderna e vulgar desta palavra que traz em si um dos mais desagregadores sintomas da nossa sociedade atual, pois justifica a dissimulação, a indiferença, a falta de generosidade, o descaramento e destacadamente, o filho dileto de todas as mazelas: a corrupção. Ao contrário deste festival de barbaridades desumanizantes, Diógenes verticaliza os ensinamentos de seu mestre Antístenes, traduzindo mediante sua própria vida, os ideais desta escola.
Para os cínicos, o desapego a tudo o que é material e passível de ser apropriado externamente constitui-se como alicerce das magnas virtudes humanas. Os preceitos e regras sociais, morais, religiosas, políticas e jurídicas são nuvens negras que obscurecem o verdadeiro conhecimento sobre si mesmo. A própria Filosofia, quando se reduz à retórica, abstratismos e legítimas instituições e exercícios de dominação, trai a si mesma.
Antístenes dizia que os homens não deveriam viver conforme as leis, mas conforme sua natureza. no que concerne à Política, Diógenes a comparava ao fogo: “se ficamos muito longe, sentiremos frio, mas se ficamos muito perto, nos queimamos”. Essa atitude equidistante frente ao mundo incorporava a máxima cínica de que: “o homem dispõe de tudo o que necessita para viver”. A isto chamavam de autarquia (autarquia), no original grego autárkeia, que significa autossuficiência, independência. Condição inarredável do sábio. Caminho único para a virtude e a felicidade.
A convivência de Diógenes com a filosofia e nos filósofos também não foi muito pacífica. Platão era sua principal vítima, a quem considerava vaidoso, orgulhoso e excessivamente falante. Segundo algumas narrativas, este fora confrontado e desafiado publicamente várias vezes por Diógenes, fato que lhe rendera alcunha de “Sócrates furioso, propagador de inutilidades”, pela ótica de Platão. Acerca da Filosofia, para Diógenes, a existência submetida apenas à teoria, refém de especulações intelectuais, longe da prática, do exemplo e da ação, perdia completamente o seu sentido.
Um encontro com Diógenes é um diálogo com o escândalo pertinente. Ele é uma força da natureza, indomável e imprevisível. Alguns estudiosos atuais chegam a considera-lo o pai do Anarquismo, outros acreditam ser urgente o retorno da sua irreverencia autêntica num mundo encharcado pelo politicamente correto; outros ainda têm certeza de que ele não passa de uma lembrança nostálgica exótica e divertida.
Diógenes, em verdade, não figura entre as grandes estrelas da constelação dos famosos, talvez esteja quase esquecido. Mesmo assim a lembrança desse condiscípulo de Sócrates, irônico como seu percursor, faz emergir em nossa memoria a célebre passagem em que este tomava um banho de sol quando foi encoberto pela figura majestosa de Alexandre, o Grande, que lhe disse: “Pede-me o que quiseres”; Diógenes lhe responde: ”Deixa-me o sol”. Perplexo e deslocado ante a tanta sagacidade e despojamento, afastou-se e comentou com os que acompanhavam: “Se não fosse Alexandre, o Grande, gostaria de ser Diógenes de Sínope”.
Em seu túmulo foi erguida uma coluna contento um cão de mármore com a seguinte inscrição: “O próprio bronze envelhece com o tempo, mas tua glória, Diógenes, nem toda eternidade destruirá; pois apenas tu ensinaste aos mortais a lição da autossuficiência na vida e a maneira mais fácil de viver”.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Os sofistas: a arte de argumentar

No período socrático ou clássico (séc. V e IV a.C), o centro cultural deslocou-se das colônias para a cidade de Atenas. Desse período fazem parte Sócrates e seu discípulo Platão, que posteriormente foi mestre de Aristóteles. O século V a.C é também conhecido como o século de Péricles, governante na época áurea da cultura grega, quando a democrática Atenas desenvolveu intensa vida política e artística. Os pensadores desse período, embora ainda discutissem questões cosmológicas, ampliaram os questionamentos para a antropologia, a moral e a política. Também os sofistas são dessa época, pelos quais começaremos.
Os sofistas fazem parte da época clássica e alguns deles são interlocutores de Sócrates. Os mais famosos foram: Protágoras, de Abdera (485-411 a.C); Górgias, de Leôncio, na Sicília (485-380 a.C); Híppias, de Èlis; e ainda Trasímaco, Pródico e Hipódamos, entre outros. Tal como ocorreu com os pré-socráticos, dos sofistas só nos restam fragmentos de suas obras, reunidas nas doxografias, além de referências – muitas vezes tendenciosas – feitas por filósofos posteriores.
Os sofistas foram sempre mal interpretados por causa das críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles. São muitos os motivos que levaram à visão deturpada sobre os sofistas que a tradição nos oferece. Em primeiro lugar, há enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos sob a designação de sofista. Talvez o que possa identifica-los é o fato de serem considerados sábios e pedagogos. Vindo de todas as partes do mundo grego, ocupam-se de um ensino itinerante, sem se fixarem em nenhum lugar. O constante exercício do pensar e a aceitação de opiniões contraditórias, características dos sofistas, possivelmente deviam-se à incessante circulação de ideias.
Para escândalos de seus contemporâneos, os sofistas costumavam cobrar pelas aulas, motivo pelo qual Sócrates os acusava de “prostituição”. Cabe aqui um reparo: na Grécia Antiga, a aristocracia tinha o privilégio da atividade intelectual, pois gozava do ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo, já que estava liberada do trabalho de subsistência, ocupação dos escravos. No entanto, os sofistas geralmente pertenciam à classe média e, por não serem suficientemente ricos para se darem ao luxo de filosofar, faziam das aulas seus ofícios. Se alguns sofistas de menor valor intelectual podiam ser chamados de “mercenários do saber”, na verdade tratava-se de fato acidental que não se aplicava à moradia.
No entanto, a imagem de certo modo caricatural da sofística tem sido revista na tentativa de resgatar sua verdadeira importância. Desde que os sofistas foram reabilitados por Hegel no século XIX, o período por eles iniciado passou a ser denominado Aufklarung grega, imitando a expressão alemã que designa o Iluminismo europeu do século XVIII.
A sofística e o ideal democrático
Segundo Werner Jaeger, historiador da filosofia, os sofistas exerceram influência muito forte no seu tempo, vinculando-se à tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Sua contribuição para a sistematização do ensino foi notável, pela elaboração de um currículo de estudos: gramatica (da qual são os iniciadores), retórica e dialética; na tradição dos pitagóricos, desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia e a música.
Os sofistas elaboraram o ideal teórico da democracia, valorizada pelos comerciantes em ascensão, cujos interesses passaram a se contrapor aos da aristocracia rural. Nessas circunstâncias, a exigência que os sofistas na Grécia de seu tempo é de ordem essencialmente pratica, voltada para a vida, pois iniciavam indispensável para que os cidadãos participassem da assembleia democrática.
Por deslumbrarem seus alunos com o brilhantismo de sua retórica, foram duramente criticados pelos seguidores de Sócrates, que os acusavam de não se importarem com a verdade, pois, afeitos que eram à arte de persuadir, reduziam seus discursos a opiniões relativistas. Além disso, sabemos como Sócrates e Platão não tinham simpatia
pela democracia, por causa do risco da demagogia.
Se os sofistas foram acusados pelos seus detratores de pronunciar discursos vazios, essa fama deve-se ao fato de que alguns deles deram excessiva atenção ao aspecto formal da exposição e da defesa das ideias. E também porque em geral os sofistas estavam convencidos de que a persuasão é o instrumento por excelência do cidadão na cidade democrática.
Os melhores deles, no entanto, buscavam aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a coerência e o rigor da argumentação. Não bastava dizer o que se considerava verdadeiro, era preciso demonstra-los pelo raciocínio, mais tarde desenvolvida por Aristóteles.
Protágoras, um dos mais importantes sofistas, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Esse fragmento – entre os poucos conservados de seus escritos perdidos – pode ser entendido como a exaltação da capacidade humana de construir a verdade: o logos não mais é divino, mas decorre do exercício técnico da razão humana, a quem cabe confrontar as diversas concepções possíveis da verdade.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Crítica de Aristóteles aos antecessores


Além da metafísica, Aristóteles estabeleceu os princípios da lógica formal. Com esses princípios lógicos e os conceitos metafísicos, criticou os filósofos que o antecederam, sobretudo Heráclito, Parmênides e Platão.
Contra Heráclito, segundo o qual tudo estava em constante movimento, Aristóteles demonstra que toda transformação há algo que muda e algo que permanece. E, pelo principio de contradição, que um ser não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Do mesmo modo critica Parmênides, por ter afirmado que o ser é imóvel, reduzindo o movimento ao mundo sensível. Igualmente, rejeitou a teoria das ideias de Platão.
Para Aristóteles, se o conhecimento se faz com conceitos universais, esses mesmos conceitos são aplicados a cada coisa individual. Com isso, não é preciso justificar a imobilidade do ser (como Parmênides) nem criar o mundo das essências imutáveis, como quis Platão.

Deus: Primeiro Motor Imóvel


Toda estrutura teórica da filosofia aristotélica desemboca no divino, numa teologia. A descrição das relações entre as coisas leva ao conhecimento da existência de um ser superior e necessário, ou seja, Deus. Porque, se as coisas são contingentes – pois não têm em si mesmas a razão de sua existência -, é preciso concluir que são produzidas por causas exteriores a elas. Ou seja, todo ser contingente foi produzido por outro ser, que também é contingente, e assim por diante. Para não ir ao infinito na sequência de causas, é preciso admitir uma primeira causa, por sua vez incausada, um ser necessário (e não contingente).
Esse Primeiro Motor Imóvel (por não ser movido por nenhum outro) é também um puro ato (sem nenhuma potência). Segundo Aristóteles, Deus é Ato Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de todo existente. No entanto, como Deus pode mover, sendo imóvel? Porque Deus não é primeiro motor como causa eficiente, mas sim como causa final: Deus move por atração, ele tudo atrai, como “perfeição” que é.

A teoria das quatro causas


As considerações anteriores tornam mais claro o principio de causalidade de acordo com Aristóteles: “Tudo o que se move é necessariamente movido por outro”. O devir consiste na tendência que todo ser tem de realizar a forma que lhe é própria.
Há quatro sentidos para causa; material, formal, eficiente e final.
Por exemplo, numa estátua:
      ·         A causa material é aquilo de que a coisa é feita (o mármore);
      ·         A causa eficiente é aquela que dá impulso ao movimento (o escultor que a modela);
      ·         A causa formal é aquilo que a coisa tende a ser (a forma que a estátua adquire);
      ·         A causa final é aquilo para o qual a coisa é feita ( a finalidade de fazer á estatua; a beleza, a glória, a devoção religiosa etc.)
Essas são as causas que explicam o movimento, que para Aristóteles é eterno.

O conhecimento pelas causas


Aristóteles define a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, por meio do qual é possível superar os enganos as opinião e compreender a natureza da mudança, do movimento. Para tanto, recusa a teoria das ideias de Platão e sua interpretação radical sobre a oposição entre mundo sensível e mundo inteligível.
Para entender a teoria aristotélica, vamos escrever três distinções fundamentais realizadas pelo filósofo: substância-essência-acidente; ato-potência; forma-matéria. Esses conceitos, por sua vez, servem para compreender a teoria das quatro causas.
Substância: essência e acidente:
Costuma-se dizer que Aristóteles “traz ideias do céu a terra” porque, para rejeitar a teoria das ideias de Platão, reuniu o mundo sensível e o inteligível no conceito de substância: cada ser que existe é uma substância.
A substância é “aquilo que é em si mesmo”, o suporte dos atributos. Esses atributos podem ser essenciais ou acidentais:
      ·         A essência é o atributo que convém à substância de tal modo que, se lhe faltasse, a substância não seria o que é.
      ·         O acidente é o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é.
Por exemplo: a substância individual “esta pessoa” tem como características essenciais os atributos da humanidade (Aristóteles diria que a racionalidade é a essência do ser humano). Os acidentais são, entre outros, ser gordo, velho ou belo, atributos que não mudam o ser humano na sua essência.
Matéria e forma:
Além dos conceitos de essência e acidente, Aristóteles recorre às noções de matéria e forma. Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis.
      ·         Matéria é o principio indeterminado de que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”. Trata-se da matéria indeterminada. Quando nos referimos à matéria concreta, trata-se de matéria segunda.
      ·        Forma é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”. Nesse sentido, a forma é geral (o que faz com que todo animal ou vegetal sejam o que são).
A forma é o principio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie pela qual todos são o que são, enquanto a matéria é pura passividade e contém a forma em potência.
O movimento (devir) é explicado por meio das noções de substância e acidente, de matéria e forma. Para Aristóteles, todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Por exemplo, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e a se transformar no carvalho que é em potência.
Potência e ato:
Ao explicitar os conceitos de matéria e forma, é necessário recorrer aos de potência e ato, que explicam como dois seres diferentes podem entrar em relação, atuando um sobre o outro. Então:
      ·         A potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa, é aquilo que uma coisa poderá vir a ser. Para se atualizar todo ser precisa sofrer a ação de outro já em ato.
      ·         O ato é a essência (a forma) da coisa tal como é aqui e agora.
Não se trata de uma atualização de uma vez por todas, porque cada ser continua em movimento, recebendo novas formas: os seres vivos nascem e morrem, o feto se transforma em criança e, na sequência, em adolescente, jovem, idoso, e assim por diante.
Recapitulando os conceitos aristotélicos: todo ser é uma substância constituída de matéria e forma; a matéria é potência, o que tende a ser; a forma é o ato. O movimento é, portanto, a forma atualizando a matéria, é a passagem da potência ao ato, do possível ao real.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Aristóteles: a metafísica


Desde o momento em que a razão se separou do pensamento mítico, os filósofos gregos criaram conceitos para instrumentalizá-la no esforço de compreensão do real. Entre as diversas contribuições destaca-se a de Aristóteles, pela elaboração dos princípios da lógica e dos conceitos que explicassem o ser em geral, área da filosofia hoje reconhecemos como metafísica de Aristóteles, ele próprio usava a denominação filosofia primeira.
A teoria do conhecimento:
A teoria do conhecimento aristotélica é exposta nas obras Metafísica e Sobre a alma. Nesta última, ao explicar a relação corpo (matéria) e alma (forma), Aristóteles define alma como a forma, o ato, a perfeição de um corpo. Também usa os conceitos metafísicos para distinguir o conhecimento sensível do racional e demonstrar como eles dependem um do outro.
Os sentidos são a primeira fonte de conhecimento: sob esse aspecto, Aristóteles critica a teoria da reminiscência platônica. Para ele, a origem das ideias é explicada pela abstração, pela qual o intelecto, partindo das imagens sensíveis das coisas particulares, elabora os conceitos universais. Os primeiros princípios da ciência são estabelecidos por percepção ou por indução, que conduz ao universal pela revisão de exemplos particulares. Depois, por dedução, são extraída conclusão por um processo de raciocínio que progride do universal para o particular.
Pela sua teoria do conhecimento, Aristóteles pretende chegar á verdade, que para ele consiste na adequação do conceito à coisa real.
A filosofia primeira não é primeira na ordem do conhecer – já que partimos do conhecimento sensível -, mas a que busca as causas mais universais, é, portanto, as mais distantes dos sentidos. Trata-se da parte nuclear da filosofia, na qual se estuda “o ser enquanto ser”, isto é, o ser independentemente de suas determinações particulares.
É a metafísica que fornece a todas as outras ciências o fundamento comum, o objeto que ela investigam e os princípios dos quais dependem. Ou seja, todas as ciências referem-se continuamente ao ser e a diversos conceitos ligados diretamente a ele, como identidade, oposição, diferença, necessidade, possibilidade, realidade, etc. no entanto, cabe à metafísica examinar esses conceitos, ao refletir sobre o ser e suas propriedades.

O que é lógica?


A lógica faz parte do nosso cotidiano. Na família, no trabalho, no lazer, nos encontros entre amigos, na política, sempre nos dispomos a conversar com as pessoas usamos argumentos para expor e defender nossos pontos de vista. Os pais discutem com seus filhos adolescentes sobre o que podem ou não fazer, e estes rebatem com outros argumentos.
Se assim é, tanto melhor que saibamos o que sustenta nossos raciocínios, o que os torna válidos e em que casos são incorretos. O estudo da lógica seve para organizar as ideias de modo mais rigoroso, para que não enganemos em nossas conclusões.
Vamos aqui examinar como surgiu à lógica na Antiguidade grega.
Embora os sofistas e também Platão tenham se ocupando com questões lógicas, nenhum deles o fez com a amplitude e o rigor alcançados por Aristóteles (séc. IV a.C). O próprio filosofo, porém, não denominou seu estudo de lógica, palavra que só apareceu mais tarde, talvez no século seguinte, com os estoicos.
A obra de Aristóteles dedicada á lógica chama-se Analíticos e, como o próprio nome diz, trata da análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre lógica foram reunidas com o título de Organon, que significa “instrumento” e, no caso, instrumento para se proceder corretamente no pensar.
Vejamos o que significa a lógica, como instrumento do pensar.
      ·         O estudo dos métodos e princípios da argumentação;
      ·         A investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue necessariamente de enunciados iniciais, chamados premissas;
      ·         O estudo que estabelece as regras da forma correta das operações do pensamento e identifica as argumentações não validas.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O mito hoje


Perguntamos então: e hoje, o desenvolvimento do pensamento reflexivo teria decretado a morte da consciência mítica?
Augusto Comte, fundador do positivismo, responde afirmativamente: ao explicar a evolução da humanidade, define a maturidade do espírito humano pela superação de todas as formas míticas e religiosas. Dessa maneira, opõe radicalmente mito e razão, ao mesmo tempo que inferioriza o mito como tentativa fracassada de explicação da realidade.
No entanto, ao criticar o mito e exaltar a ciência, contraditoriamente o positivismo fez nascer o mito do cientificismo, ou seja, a crença cega na ciência como única forma de saber possível. Desse modo, o positivismo mostra-se reducionista, já que, bem sabemos a ciência não é a única interpretação válida do real.
De fato, existem outros modos de compreensão, como o senso comum, a filosofia, a arte, a religião, e nenhuma delas exclui o fato de o mito estar na raiz da inteligibilidade. A função fabuladora persiste não só nos contos populares, no folclore, como também na vida diária quando proferimos certas palavras ricas de ressonância míticas – casa, lar, amor, pai, mãe, paz, liberdade, morte – cuja definição objetiva não esgota os significados que ultrapassam os limites da própria subjetividade. Essas palavras nos remetem a valores arquetípicos, modelos universais que existem na natureza inconsciente e primitiva de todos nós.
Para finalizar...
O mito não se reduz a simples lendas, mas faz parte da vida humana desde seus primórdios e ainda persiste no nosso cotidiano como uma das experiências possíveis do existir humano, expressas por meio das crenças, dos temores e desejos que nos mobilizam. No entanto, hoje os mitos não emergem com a mesma força com que se impuseram nas sociedades tribais, porque o exercício da crítica racional nos permite legitimá-los ou rejeita-los quando nos desumanizam.

Teorias sobre o mito


As funções do mito:
Alguns teóricos explicam o mito pela função que desempenham no cotidiano da tribo, garantindo a tradição e a sobrevivência do grupo. Vejamos alguns exemplos:
      *   A origem da agricultura: segundo o mito indígena tupi, a mandioca, alimento básico da tribo, nasce do túmulo de uma criança chamada Mandi; no mito grego, Perséfone é levada por Hades para seu castelo tenebroso, mas, a pedido da mãe, Deméter, retorna em certos períodos: esse mito simboliza o trigo enterrado como semente e renascendo como planta.
      *  A fertilidade das mulheres: para os aruntas, os espíritos dos mortos esperam a hora de renascer e penetram no ventre das mulheres quando elas passam por certos locais.
      * O caráter mágico das danças e desenhos: quando os homens pré-históricos faziam pinturas nas paredes das cavernas, representando  a captura das renas, talvez não pretendessem enfeitá-las nem apenas mostrar suas habilidades pictóricas, mas agir magicamente, para garantir de antemão o sucesso das caçadas; essa suposição se deve ao fato de que geralmente os desenhos eram feitos nas partes mais escuras da caverna.
O caráter inconsciente do mito:
Outros intérpretes da linha psicológica, como Sigmund Freud, fundador da psicanalise, e seu discípulo dissidente Carl Jung, acentuam o caráter existencial e inconsciente do mito, como revelador sonho, da fantasia, dos desejos mais profundos do ser humano. Por exemplo, ao analisar o mito de Èdipo, Freud realça o amor e o ódio inconsciente que permeiam a relação familiar. E Jung se refere ao inconsciente coletivo, que seria encontrável nos grupos e nas pessoas em qualquer época ou lugar.
O mito como estrutura:
Outra linha de interpretação do mito é a do antropólogo Lévi-Satrauss, representante de corrente estruturalista. Como o nome diz, trata-se de procurar a estrutura básica que explica os mais diversos mitos, procedimento que valoriza mais o sistema do que os elementos que o compõem. Os elementos, por serem relativos, só tem valor de acordo com a posição que encontram na estrutura a que pertencem. Ou seja, um fato isolado ou mito isolado não possuem significado em si.
Enquanto outros teóricos interpretam os mitos pela sua funcionalidade e se baseiam nos elementos particulares, na pura subjetividade ou na história de um determinado povo, Lévi-Strauss busca os elementos invariantes, que persistem sob diferenças superficiais.
Para tanto, interessam-lhe os sistemas de relações de parentesco, filiação, comunicação linguística, troca econômica etc., comuns a todas as sociedades. Por exemplo, uma regra universal é a proibição do incesto. Esse interdito tem o lado positivo de garantir a exogamia, ou seja, a união com pessoas de outro grupo.
Segundo Lévi-Strauss, mito não é, como se costuma dizer, o lugar da fantasia e do arbitrário, mas pode ser compreendido a partir de uma estrutura lógico-formal subjacente, pelo lugar que cada elemento ocupa em determinada estrutura. Assim ele explica:
Não pretendemos mostrar como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos [através das estruturas] se pensam nos homens, e à sua revelia.