sexta-feira, 15 de junho de 2012

O mito hoje


Perguntamos então: e hoje, o desenvolvimento do pensamento reflexivo teria decretado a morte da consciência mítica?
Augusto Comte, fundador do positivismo, responde afirmativamente: ao explicar a evolução da humanidade, define a maturidade do espírito humano pela superação de todas as formas míticas e religiosas. Dessa maneira, opõe radicalmente mito e razão, ao mesmo tempo que inferioriza o mito como tentativa fracassada de explicação da realidade.
No entanto, ao criticar o mito e exaltar a ciência, contraditoriamente o positivismo fez nascer o mito do cientificismo, ou seja, a crença cega na ciência como única forma de saber possível. Desse modo, o positivismo mostra-se reducionista, já que, bem sabemos a ciência não é a única interpretação válida do real.
De fato, existem outros modos de compreensão, como o senso comum, a filosofia, a arte, a religião, e nenhuma delas exclui o fato de o mito estar na raiz da inteligibilidade. A função fabuladora persiste não só nos contos populares, no folclore, como também na vida diária quando proferimos certas palavras ricas de ressonância míticas – casa, lar, amor, pai, mãe, paz, liberdade, morte – cuja definição objetiva não esgota os significados que ultrapassam os limites da própria subjetividade. Essas palavras nos remetem a valores arquetípicos, modelos universais que existem na natureza inconsciente e primitiva de todos nós.
Para finalizar...
O mito não se reduz a simples lendas, mas faz parte da vida humana desde seus primórdios e ainda persiste no nosso cotidiano como uma das experiências possíveis do existir humano, expressas por meio das crenças, dos temores e desejos que nos mobilizam. No entanto, hoje os mitos não emergem com a mesma força com que se impuseram nas sociedades tribais, porque o exercício da crítica racional nos permite legitimá-los ou rejeita-los quando nos desumanizam.

Teorias sobre o mito


As funções do mito:
Alguns teóricos explicam o mito pela função que desempenham no cotidiano da tribo, garantindo a tradição e a sobrevivência do grupo. Vejamos alguns exemplos:
      *   A origem da agricultura: segundo o mito indígena tupi, a mandioca, alimento básico da tribo, nasce do túmulo de uma criança chamada Mandi; no mito grego, Perséfone é levada por Hades para seu castelo tenebroso, mas, a pedido da mãe, Deméter, retorna em certos períodos: esse mito simboliza o trigo enterrado como semente e renascendo como planta.
      *  A fertilidade das mulheres: para os aruntas, os espíritos dos mortos esperam a hora de renascer e penetram no ventre das mulheres quando elas passam por certos locais.
      * O caráter mágico das danças e desenhos: quando os homens pré-históricos faziam pinturas nas paredes das cavernas, representando  a captura das renas, talvez não pretendessem enfeitá-las nem apenas mostrar suas habilidades pictóricas, mas agir magicamente, para garantir de antemão o sucesso das caçadas; essa suposição se deve ao fato de que geralmente os desenhos eram feitos nas partes mais escuras da caverna.
O caráter inconsciente do mito:
Outros intérpretes da linha psicológica, como Sigmund Freud, fundador da psicanalise, e seu discípulo dissidente Carl Jung, acentuam o caráter existencial e inconsciente do mito, como revelador sonho, da fantasia, dos desejos mais profundos do ser humano. Por exemplo, ao analisar o mito de Èdipo, Freud realça o amor e o ódio inconsciente que permeiam a relação familiar. E Jung se refere ao inconsciente coletivo, que seria encontrável nos grupos e nas pessoas em qualquer época ou lugar.
O mito como estrutura:
Outra linha de interpretação do mito é a do antropólogo Lévi-Satrauss, representante de corrente estruturalista. Como o nome diz, trata-se de procurar a estrutura básica que explica os mais diversos mitos, procedimento que valoriza mais o sistema do que os elementos que o compõem. Os elementos, por serem relativos, só tem valor de acordo com a posição que encontram na estrutura a que pertencem. Ou seja, um fato isolado ou mito isolado não possuem significado em si.
Enquanto outros teóricos interpretam os mitos pela sua funcionalidade e se baseiam nos elementos particulares, na pura subjetividade ou na história de um determinado povo, Lévi-Strauss busca os elementos invariantes, que persistem sob diferenças superficiais.
Para tanto, interessam-lhe os sistemas de relações de parentesco, filiação, comunicação linguística, troca econômica etc., comuns a todas as sociedades. Por exemplo, uma regra universal é a proibição do incesto. Esse interdito tem o lado positivo de garantir a exogamia, ou seja, a união com pessoas de outro grupo.
Segundo Lévi-Strauss, mito não é, como se costuma dizer, o lugar da fantasia e do arbitrário, mas pode ser compreendido a partir de uma estrutura lógico-formal subjacente, pelo lugar que cada elemento ocupa em determinada estrutura. Assim ele explica:
Não pretendemos mostrar como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos [através das estruturas] se pensam nos homens, e à sua revelia.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os Rituais


Segundo Mircea Eliade, historiador romeno estudioso das religiões, uma das características do mito é fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. Desse modo, os gestos dos deuses são imitados nos rituais. Essa é a justificativa dada pelos teólogos e ritualistas hindus: “Devemos fazer o que os deuses fizeram no princípio”; “Assim fizeram os deuses, assim fazem os homens”.
Eliade exemplifica com a resposta dada pelos arunta, povos nativos da Austrália, a respeito da maneira pela qual celebravam as cerimônias: “Porque os ancestrais assim o prescreveram”. Em seus rituais, porém, os arunta não se limitavam a representar ou imitar a vida, os feitos e aventuras dos ancestrais: tudo se passava como se os antepassados aparecessem de fato nas cerimônias.
O tempo sagrado é, portanto, reversível, ou seja, a festa religiosa não é simples comemoração, mas a ocasião pela qual o evento sagrado, que teve lugar no passado mítico, acontece novamente. Caso contrário, a semente não brotará da terra, a mulher não será fecundada, a árvore não dará frutos, o dia não sucederá à noite. Sem os ritos, é como se os fatos naturais descritos não pudessem se concretizar.
Exemplos de Rituais:
A maneira mágica pela qual os povos tribais agem sobre o mundo pode ser exemplificada pelos inúmeros ritos de passagem: do nascimento, da infância para a idade adulta, do casamento, da morte. Assim diz Mircea Eliade:
... quando acaba de nascer, a criança dó dispõe de uma existência física, não é ainda reconhecida pela família nem recebida pela comunidade. São os ritos que se efetuam imediatamente após o parto que conferem ao recém-nascido o estatuto de ‘vivo’ propriamente dito; é somente graças a estes ritos que ele fica integrado na comunidade dos vivos. [...] para certos povos, [...] a morte de uma pessoa só é reconhecida como válida depois da realização das cerimônias funerárias, ou quando a alma do defunto foi ritualmente conduzida à sua nova morada, no outro mundo, e lá embaixo, foi aceito pela comunidade dos mortos.
Ainda hoje, a maioria das religiões contemporâneas mantém os ritos próprios de sua crença: cultura, cerimônias, oferendas, preces, templos, festas e objetos religiosos.
Transgressão do tabu:
No ambiente da tribo, o equilíbrio pessoa depende da preponderância do coletivo, o que facilita a adaptação do indivíduo à tradição. Ora, no universo em que predomina a consciência coletiva, a desobediência ultrapassa quem violou a proibição, podendo atingir a família, os amigos e, às vezes, toda a tribo.
È o caso do tabu, termo que significa proibição, interdito, e que entre os povos tribais assume caráter sagrado. O mais primitivo tabu é o do incesto, mas há inúmeros outros, como o impedimento de tocar em algum objeto, animal ou em alguém. Por exemplo: em algumas tribos indígenas as mulheres menstruadas não devem tocar nos utensílios masculinos porque, contaminados, provocariam males e desgraças: a vaca é ainda hoje um animal sagrado na Índia e não dever ser molestada.
Quando nas tribos a proibição é transgredida, são feitos ritos de purificação, como abster-se de alimentos, retirar-se para local isolado, submeter-se a cerimônias de ablução, em que se lava o corpo ou parte dele. Outros procedimentos são os rituais do “bode expiatório”: após a transgressão ter provocado doença em um individuo ou mal ter atingido toda a tribo, o sacrifício de animais ou de pessoas é um processo de “expiação”, ou seja, de purificação.