quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Leitura complementar...


A descoberta da Justificação.
“Quando um enunciado é feito, duas questões importantes podem ser imediatamente colocadas: De que maneira chegou a ser concebido? Que razões existem para aceita-la como verdadeiro? Trata-se de duas questões diferentes. Seria um grave erro confundi-las, e um erro pelo menos tão serio quanto esse é confundir as respostas. A primeira pergunta relaciona-se com a descoberta; as circunstâncias lembradas por ela formam o contexto da descoberta. A segunda relaciona-se com a justificação; assuntos que aqui se tornam relevantes cabem no contexto da justificação.
Sherlock Holmes é um bom exemplo de pessoa com soberbos poderes de raciocínio. Sua habilidade ao inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento. Holmes é muito capaz de fazer inferências do que seus métodos ao amigo, e Watson é um homem inteligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de Holmes defluem de fatores como a sua aguda curiosidade, a sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus poderes de percepção a grande massa de informações acumuladas e a sua extrema sagacidade. Nenhum conjunto de regras pode substituir essas capacidades.
Se existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na realidade, o pensamento efetivo exige um constante jogo de imaginação e de pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a bloquear o pensamento. As ideias mais frutíferas são, com frequência, justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como for, ao discutirmos as específicas regras da lógica, se fossem aceitas como orientadoras dos modos de pensar transformar-se-iam numa verdadeira camisa de força.
O que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento. Frisamos de modo enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a lógica não pode fazer. Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece-nos métodos de crítica para avaliação coerente das inferências. É nesse sentido, talvez, que a lógica está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Complementada uma inferência, é possível transformá-la em argumento e correto ou não. A Lógica não nos ensina como inferir: indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar. Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de um martelo conhece sua utilidade. A lógica interessa-se pela justificação, não pela descoberta. A lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a boa compreensão daquilo que se comunica e se aprende”.

ARGUMENTAÇÃO


A argumentação é um discurso em que encadeamos proposições para chegar a uma conclusão.
Exemplo 1:
O mercúrio não é sólido.            (premissa maior)
O mercúrio é um metal.             (premissa menor)
Logo, algum metal não é sólido.      (conclusão)
Estamos diante de uma argumentação composta por três proposições em que a última, a conclusão, deriva logicamente das duas anteriores, chamadas premissas.
Aristóteles denomina silogismo esse tipo de argumentação. Em grego, silogismo significa “ligação”: a ligação de dois termos por meio de um terceiro. No exemplo, há os termos “mercúrio”, “metal” e “sólido”. Conforme a posição que ocupam na argumentação, os termos podem ser médio, maior ou menor:
      ·        Termo médio é aquele que aparece nas premissas e faz a ligação entre os outros dois: “mercúrio” é o termo médio, que liga “metal” e “sólido”;
      ·        Termo maior é o termo predicado da conclusão: “sólido”;
      ·        Termo menor é o termo sujeito da conclusão: “metal”.
Examinemos este outro silogismo:
Exemplo 2
Todos os cães são mamíferos.
Todos os gatos são mamíferos.
Logo, todos os gatos são cães.
Nesse silogismo as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa; a argumentação é inválida.
Vejamos mais um silogismo:
Exemplo 3
Todos os homens são louros
Pedro é homem
Logo, Pedro é louro.
Percebemos que a primeira premissa é falsa e, apressadamente, concluímos que o raciocínio não é válido. Engano: estamos diante de um argumento logicamente válido, isto é, que não fere as regras do silogismo – mais adiante veremos por quê.
Exemplo 4
Todo inseto é invertebrado.
Todo inseto é hexápode (tem seis patas).
Logo, todo hexápode é invertebrado.
Nesse caso, todas as proposições são verdadeiras. No entanto, a inferência é inválida.
REGRAS DO SILOGISMO
Primeiramente, vamos distinguir verdade e validade. Em seguida, consultaremos as regras do silogismo para saber se um argumento é válido ou inválido.
VERDADE E VALIDADE
É preciso muita atenção no uso de verdadeiro/falso, válido/inválido.
      ·        As proposições podem ser verdadeiras ou falsas: uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa.
      ·        Os argumentos são válidos ou inválidos (e não verdadeiros ou falsos): um argumento é válido quando sua conclusão é consequência lógica de suas premissas.
Examinemos agora os argumentos dos quatro exemplos dados anteriormente a fim de aplicar-lhes o que aprendemos. Os exemplos 2 e 4 são inválidos. Vejamos por quê.
      ·        Exemplo 2 (todos os cães...): o termo médio – que aparece na primeira e na segunda premissas – é “mamífero” e faz ligação entre “cão” e “gato”. Segundo a regra 5 do silogismo, o termo médio deve ter pelo menos uma vez extensão total, mas na duas proposições ele é particular, ou seja, “Todos os cães são (alguns dentre os) mamíferos” e “Todos os gatos são (alguns dentre os) mamíferos”.
      ·        Exemplo 4 (Todo inseto...): os três termos são “inseto”, “hexápode” e “invertebrado”. O termo menor, “hexápode”, tem extensão particular na premissa menor: “Todo inseto é (algum) hexápode”, mas na conclusão é tomado em toda extensão (todo hexápode). Portanto, fere a regra 6.
AS OITO REGRAS DO SILOGISMO
 1.      O silogismo só deve ter três termos (o maior, o menor e o médio).
      2.      De duas premissas negativas nada resulta.
      3.      De duas premissas particulares nada resulta.
      4.      O termo médio nunca entra na conclusão.
      5.      O termo médio deve ser pelo menos uma vez total.
      6.      Nenhum termo pode ser total na conclusão sem ser total nas premissas.
      7.      De duas premissas afirmativas não se conclui uma negativa.
      8.      A conclusão segue sempre a premissa mais fraca (se nas premissas uma delas for negativa; se uma for particular, a conclusão deve ser particular) 

sábado, 22 de setembro de 2012

Princípios da lógica


Para compreender as relações que se estabelecem entre as proposições, foram definidos os primeiros princípios da lógica, assim chamados por serem anteriores a qualquer raciocínio e servirem de base a todos os argumentos. Por serem princípios, são de conhecimento imediato e, portanto, indemonstráveis.
Geralmente distinguem-se três princípios: o de identidade, o de não contradição e o do terceiro excluído.
      ·        Segundo o princípio de identidade, se um enunciado é verdadeiro, então ele é verdadeiro.
      ·        O princípio de não contradição – que alguns denominam simplesmente principio de contradição – afirma que não é o caso de um enunciado e de sua negação. Portanto, duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras: se for verdadeiro que “alguns seres humanos não são justos”, é falso que “todos os seres humanos são justos”.
      ·        O principio do terceiro excluído – ás vezes chamado principio do meio excluído – afirma que nenhum enunciado é verdadeiro nem falso. Ou seja, não há um terceiro valor. Como disse Aristóteles, “entre os opostos contraditórios não existe um meio”.
A essa altura da exposição, é possível perceber que as proposições podem relacionar-se por oposição e dependência.

Termo e Proposição


A proposição é um enunciado no qual afirmamos ou negamos um termo (um conceito) de outro. No exemplo “todo cão é mamífero” (Todo C é M), temos uma proposição em que o termo “mamífero” afirma-se do temo cão.
       a)      Qualidade e quantidade: as proposições podem ser distinguidas pela qualidade e pela quantidade
Quanto à qualidade, são afirmativas ou negativas: “Todo C é M” ou “Nenhuma C é M”;
Quanto à quantidade são gerais – universais ou totais – ou particulares. Estas últimas podem ser singulares caso se refiram a um só indivíduo: “Todo C é M”; “Algum C é M”; “Este C é M”, respectivamente.
Exercitando:
       ·        “Todo cão é mamífero”: proposição universal afirmativa;
       ·        “Nenhum animal é mineral”: universal negativa;
       ·        “Algum metal não é sólido”: particular negativa;
       ·        “Sócrates é mortal”: singular afirmativa.
       b)     Extensão dos termos: a extensão é amplitude de um termo, isto é, a coleção de todos os seres que o termo designa no contexto da proposição. È fácil identificar a extensão do sujeito, mas a do predicado exige maior atenção. Observe os seguintes exemplos:
      ·        Todo paulista é brasileiro (Todo P é B)
      ·        Nenhum brasileiro é argentino (Todo B não é A)
      ·        Algum paulista é solteiro (Algum P é S)
      ·        Alguma mulher não é justa (Alguma M não é J)

Grandes Mestres!


Diógenes de Sínope: “um Sócrates furioso”.
A expressão que dá título a este trabalho, supostamente atribuída a Platão, por si só já nos leva ao encontro da natureza radical que a escola cínica apresentava, bem como seu principal representante: Diógenes de Sínope.
Tanto o cinismo como Diógenes encontram-se envoltos em muita polêmica e controvérsia. Fato emblemático que gera cores ainda mais abrasadoras sobre essa escola e esse personagem que revelam e confirmam uma das características mais fascinantes e originais da Filosofia: o combate contumaz à doxa, a alergia patológica ao lugar-comum e seus inúmeros representantes da verdade obediente, arquiteta tirânica do pensar e agir humanos, nas suas relações com o mundo e consigo mesmo.
Sobre o cinismo, sabemos que surgiu em Atenas entre os séculos III e IV a.C e teve em Antístenes (440-336 a.C) seu fundador. Este, por sua vez, foi discípulo de Sócrates, chegando mesmo a afirmar, em determinado momento, que seus seguidores eram condiscípulos de Sócrates, vindo mais tarde a se afastar da escola socrática a fim de estabelecer os contornos da sua própria escola. A palavra cinismo vem do grego Kynismós, no latim cynismu. Sua essência semântica nos remete à “igual a um cão”. Porém, não existe consenso até mesmo entre os estudiosos da língua e desta escola. É corrente também a influência da palavra grega kion, kinos, que significa cachorro,, cão, visto que a edificação desta escola se deu no Ginásio Cinosarge (cachorro branco), onde Antístenes se reunia com seus discípulos. Todavia, a evidência que dá personalidade a todas essas conjecturas vem do fato de os atenienses se referiam aos cínicos como cães e eles próprios assumirem essa alcunha com pueril diligência.
Os cínicos eram facilmente identificados onde quer que chegassem: comiam, bebiam, dormiam, faziam sexo, defecavam, masturbavam-se em qualquer lugar. Acomodando-se, da mesma forma, prazerosamente em ruas, calçadas, praças, feiras, mercados, onde quer que lhes coubessem. Sempre maltrapilhos, ou mesmo nus, escandalizavam a todos, deixando no ar uma tênue linha imaginária entre o deboche total às convenções sociais e um fundamentalismo filosófico militante.
Diógenes de Sínope (413-323 a.C), principal representante da escola cínica, teve uma vida conturbada, mas bastante coerente e ativa após ser admitido como discípulo por Antístenes. Envolveu-se em fraudes, viveu no exilio e como escravo até encontra-se definitivamente com a Filosofia, já na segunda metade de sua existência. A sua admissão por Antístenes não foi fácil, aconteceu aos solavancos e ameaças de porretadas. “Chegando a Atenas encontrou-se com Antístenes; repelido por este que nunca recebia bem os discípulos, graças à sua perseverança conseguiu convencê-lo. Certa vez, quando Antístenes ergue o bastão contra Diógenes, este ofereceu a cabeça, acrescentando: ‘Golpeia, pois não acharás madeira tão dura que possa fazer-me desistir de conseguir que me digas alguma coisa, como me parece que é o teu dever’”.
O cinismo de Diógenes não condiz com a acepção moderna e vulgar desta palavra que traz em si um dos mais desagregadores sintomas da nossa sociedade atual, pois justifica a dissimulação, a indiferença, a falta de generosidade, o descaramento e destacadamente, o filho dileto de todas as mazelas: a corrupção. Ao contrário deste festival de barbaridades desumanizantes, Diógenes verticaliza os ensinamentos de seu mestre Antístenes, traduzindo mediante sua própria vida, os ideais desta escola.
Para os cínicos, o desapego a tudo o que é material e passível de ser apropriado externamente constitui-se como alicerce das magnas virtudes humanas. Os preceitos e regras sociais, morais, religiosas, políticas e jurídicas são nuvens negras que obscurecem o verdadeiro conhecimento sobre si mesmo. A própria Filosofia, quando se reduz à retórica, abstratismos e legítimas instituições e exercícios de dominação, trai a si mesma.
Antístenes dizia que os homens não deveriam viver conforme as leis, mas conforme sua natureza. no que concerne à Política, Diógenes a comparava ao fogo: “se ficamos muito longe, sentiremos frio, mas se ficamos muito perto, nos queimamos”. Essa atitude equidistante frente ao mundo incorporava a máxima cínica de que: “o homem dispõe de tudo o que necessita para viver”. A isto chamavam de autarquia (autarquia), no original grego autárkeia, que significa autossuficiência, independência. Condição inarredável do sábio. Caminho único para a virtude e a felicidade.
A convivência de Diógenes com a filosofia e nos filósofos também não foi muito pacífica. Platão era sua principal vítima, a quem considerava vaidoso, orgulhoso e excessivamente falante. Segundo algumas narrativas, este fora confrontado e desafiado publicamente várias vezes por Diógenes, fato que lhe rendera alcunha de “Sócrates furioso, propagador de inutilidades”, pela ótica de Platão. Acerca da Filosofia, para Diógenes, a existência submetida apenas à teoria, refém de especulações intelectuais, longe da prática, do exemplo e da ação, perdia completamente o seu sentido.
Um encontro com Diógenes é um diálogo com o escândalo pertinente. Ele é uma força da natureza, indomável e imprevisível. Alguns estudiosos atuais chegam a considera-lo o pai do Anarquismo, outros acreditam ser urgente o retorno da sua irreverencia autêntica num mundo encharcado pelo politicamente correto; outros ainda têm certeza de que ele não passa de uma lembrança nostálgica exótica e divertida.
Diógenes, em verdade, não figura entre as grandes estrelas da constelação dos famosos, talvez esteja quase esquecido. Mesmo assim a lembrança desse condiscípulo de Sócrates, irônico como seu percursor, faz emergir em nossa memoria a célebre passagem em que este tomava um banho de sol quando foi encoberto pela figura majestosa de Alexandre, o Grande, que lhe disse: “Pede-me o que quiseres”; Diógenes lhe responde: ”Deixa-me o sol”. Perplexo e deslocado ante a tanta sagacidade e despojamento, afastou-se e comentou com os que acompanhavam: “Se não fosse Alexandre, o Grande, gostaria de ser Diógenes de Sínope”.
Em seu túmulo foi erguida uma coluna contento um cão de mármore com a seguinte inscrição: “O próprio bronze envelhece com o tempo, mas tua glória, Diógenes, nem toda eternidade destruirá; pois apenas tu ensinaste aos mortais a lição da autossuficiência na vida e a maneira mais fácil de viver”.