quinta-feira, 24 de maio de 2012

Para saber mais:

O principio de todas as coisas
Os primeiros pensadores centraram a atenção na natureza e elaboraram diversas concepções de cosmologia. Note que dizemos cosmologia, conceito que se contrapõe à cosmologia de Hesíodo. Enquanto no período mítico a cosmogonia relata o principio como origem o tempo (o nascimento dos deuses), as cosmologias dos pré-socráticos procuram a racionalidade constitutiva do Universo.
Todos eles procuram explicar como, diante da mudança (do devir), podemos encontrar a estabilidade; como, diante do múltiplo, descobrimento o uno. Ao perguntarem como seria possível emergir o cosmo do caos – ou seja, como da confusão inicial surge o mundo ordenado -, os pré-socráticos buscam o principio (em grego, a arkhé) de todas as coisas, entendido não como aquilo que antecede no tempo, mas como fundamento do ser. Buscar a arkhé é explicar qual é o elemento constitutivo de todas as coisas.
As respostas dos filósofos à questão do fundamento das coisas, da unidade que pode explicar a multiplicidade, são as mais variadas. Vejamos algumas delas:
      ·         Para Tales de Mileto (640-c.548 a.C), astrônomo, matemático e primeiro filosofo, a arkhé é a água.
      ·         De acordo com Pitágoras (séc. VI a.C), filósofo e matemático, o numero é a essência de tudo, todo o cosmo é harmonia, porque é ordenado pelos números.
      ·         Para Anaximandro (610-547 a.C), o fundamento dos seres é uma matéria indeterminada, ilimitada (ápeiron, em grego), que daria origem a todos os seres materiais.
      ·         Para Anaxímenes (588-524 a.C), é o ar, que pela rarefação e condensação faz nascer e transformar todas as coisas.
      ·         Parmênides de Eleia (c.544-450 a.C) e Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.C) desenvolveram teorias que entraram em conflito e instigaram os filósofos do período clássico. Enquanto para Parmênides o ser real é imóvel, imutável e o movimento é uma ilusão, para Heráclito tudo flui e tudo o que é fixo é ilusão: “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio”.
      ·         Anaxágoras (499-428 a.C), nascido em Clazômena, mudou-se para Atenas, onde foi mestre de Péricles. Sustentava que as “sementes” de todas as coisas foram ordenadas por um principio inteligente, uma inteligência cósmica (Nous, em grego).
      ·         Os quatros elementos, terra, água, ar e fogo, constituem a teoria de Empédocles (483-430 a.C).
      ·         Os filósofos Leucipo (séc. V a.C) e Demócrito (c.460-c.370 a.C) são atomistas, por considerarem o elemento primordial constituído por átomos, partículas indivisíveis. Como para eles também a alma era formada de átomos, estamos diante de uma concepção materialista e determinista. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O conhecimento?!...


Segundo o livro de Gênesis, do Antigo Testamento, descendentes de Noé chegaram a uma planície na Babilônia e iniciaram a construção de um templo tão alto que chegaria aos céus. Mas Deus castigou a sua soberba e confundiu as línguas. Eles não mais se entenderam e espalharam-se pelo mundo.
São inúmeros os simbolismos que esse relato provoca. A interpretação mais evidente é sobre a origem das diversas línguas; ou poderia ser uma advertência para que os humanos não queiram igualar-se aos deuses.
Imaginemos, porém, a hipótese de que ate hoje a humanidade busca o contrario da Babel: o entendimento universal pelo confronto dos discursos diferentes diante dos quais tentamos o entendimento.
Comecemos com Nietzsche, que comenta o que as pessoas entendem por conhecer, a fim de explicar uma das funções do filosofar: o olhar como estranho, “ver de fora” aquilo que é família, problematizar nossas certezas:
O conhecido, isto é, aquilo a que estamos habituados, de modo que não mais nos admiramos, nosso cotidiano, alguma regra em que estamos inseridos, toda e qualquer coisa em que nos sentimos em casa: - como? Nossa necessidade de conhecer não é justamente essa necessidade do conhecido, a vontade de, em meio a tudo o que é estranho, inabitual, duvidoso, descobrir algo que não mais nos inquiete? E o jubilo do que conhecem não seria precisamente o júbilo do sentimento de segurança requisitado? [...]    erro dos erros! O familiar é o habitual: e o habitual é o mais difícil de ‘conhecer’, isto é de ver como problema, como alheio, distante, ‘fora de nós’...”

Descartes: o corpo-máquina


A filosofia de René Descartes (1596-1650) contribuiu para a nova concepção de corpo. Para ele, o ser humano é constituído por duas substâncias distintas:
      ·     A substância pensante (em latim res congitans, “coisa que pensa”), de natureza espiritual: o pensamento;
      ·         A substância extensa (res extensa), de natureza material: o corpo.
Eis aí o dualismo psicofísico cartesiano. Esse posicionamento, embora pareça como o dualismo platônico, apresenta diferenças, porque Descartes concebe um corpo-objeto associado à ideia mecanicista do ser humano – máquina. Ou seja, para o filósofo, o nosso corpo age como maquina e funciona de acordo com as leis universais.
Descartes explica, porém, que, apesar de diferentes, o corpo e alma são substâncias que se relacionam, porque a alma necessita do corpo: é pela imaginação que o corpo fornece à alma os elementos sensíveis do mundo e pelo qual podemos experimentar sentimentos e apetites. Mas cabe à alma submeter à vontade da razão, controlar as paixões que prejudicam a atividade intelectual e provocam tristezas, bem como cultivar aquelas que nos dão alegria. Em As paixões da alma, Descartes afirma que podemos conhecer a força ou a fraqueza da alma pelos combates em que a vontade consegue vencer mais facilmente as paixões.
Como vemos, a concepção cartesiana sobre a relação corpo e alma alia-se à necessidade de um comportamento moral livre que, por meio da pratica da virtude e da sabedoria, permita ao ser humano controlar paixões. Seria isso a felicidade? É assim que Descartes escreve em uma carta dirigida à princesa Elisabeth da Boêmia, em 1645:
A maior felicidade do homem depende desse reto uso da razão e, por conseguinte, que o estudo que serve para adquiri-lo é a mais útil ocupação que se possa ter, como é, sem dúvida, a mais agradável e a mais doce.

Corpo e alma: o dualismo platônico

Durante muito tempo os filósofos ocidentais explicaram o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). Chamamos de dualismo psicofísico essa dupla realidade da consciência separada do corpo.
Segundo Platão, antes de se encarnar, a alma teria vivido no mundo das ideias, onde tudo conheceu por simples intuição, ou seja, por conhecimento intelectual direto e imediato, sem precisar usar os sentidos. Quando a alma se une ao corpo, ela se degrada por se tornar prisioneira dele. Passa então a se compor de duas partes
      a)      Alma superior (a alma intelectiva)
      b)      Alma inferior e irracional (a alma do corpo).
Esta, por sua vez, divide-se em duas partes:
·         A alma irascível, impulsiva, sede de coragem, localizada no peito;
·         A alma concupiscível, centrada no ventre e sede do desejo intenso de bens ou gozos materiais, inclusive o apetite sexual.
Escravizada pelo sensível, a alma inferior conduz á opinião e, consequentemente, ao erro, perturbando o conhecimento verdadeiro. O corpo é também ocasião de corrupção e decadência moral, caso a alma superior não saiba controlar as paixões e os desejos. Portanto, todo esforço humano consiste no domínio da alma superior sobre a inferior.
Não deixa de parecer contraditória essa desvalorização do corpo, se sabemos o quanto os gregos apreciavam os exercícios físicos, os esportes, além de cultuar a beleza do corpo. Não por acaso, a Grécia foi o berço das Olímpiadas, durante as quais até as guerras cessavam e seus artistas esculpiam corpos perfeitos, simétricos e belos.
No entanto, o aforismo “corpo são em mente sã” apenas confirma a superioridade do espírito: na posse de saúde perfeita, a alma se desprende dos sentidos para melhor se concentrar na contemplação das ideias. Caso contrario, a fraqueza física torna-se empecilho maior á vida intelectual. Nesse contexto, fica claro que a felicidade para Platão é de natureza racional e moral, e depende do controle do corpo e das paixões.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Leitura Complementar....

“Amor Grego”. Os gregos antigos não tinham a noção do pecado, que é própria da cultura judaico-cristã. Para eles, os desejos sexuais eram uma espécie de força da natureza e nem sempre acompanhavam o amor (o que os gregos condenavam era a hybris, o excesso). Aliás, muitos casamentos eram arranjados pelos pais dos noivos. Portanto, mais uma vez, não podemos julgar os gregos por nossos valores. Eles tinham a própria maneira de ver o mundo.
Entre os nobres gregos (mas não entre as camadas populares, que não frequentavam ginásios nem banquetes), no período clássico (século V e IV a.C), havia o costume de um homem mais velho proteger um rapaz adolescente, também nobre. É o que se chamava de pederastia. Os historiadores se dividem a respeito da natureza sexual desse contato. De qualquer modo, não podemos avaliar o homossexualismo grego segundo os nossos padrões. Raros pederastas relacionavam-se apenas com homens: seria mais fácil encontrar o nobre grego que se casava, tinha filhos e matinha relações com inúmeras mulheres e também com rapazes. Não sentiam culpa nem havia rótulos para esse comportamento. Eventualmente, as mulheres também tinham relações que hoje nós chamaríamos de homossexuais. A poetisa Safo, que viveu na ilha de Lesbos, no século VII, escreveu belos poemas para sua amada, admirados por todos os gregos. É por isso que hoje se utiliza a palavra lésbica para designar a mulher que ama outra mulher.
Embora os gregos aparentemente fossem mais tolerantes com a homossexualidade, havia leis rigorosas que puniam relações sexuais entre homens, como assinala o historiador grego atual Nikos A. Vrimssimtzis.

domingo, 6 de maio de 2012

OS TIPOS DE AMOR

É difícil de definir o amor, se pensarmos nas mais diversas conceituações que recebeu no corre da história humana, principalmente se levarmos em conta a especificidade desse sentimento, cujo sentido nos escapa. Assim disse o filosofo francês Roland Barthes: Que é que eu penso do amor? Em suma, não penso nada. Bem que eu gostaria de saber o que é, mas estando do lado de dentro, eu o vejo em existência, não em essência. [...] mesmo que eu discorresse sobre o amor durante um ano, só poderia esperar pegar o conceito “pelo rabo; por flashes, formulas, surpresas de expressão, dispersos pelo grande escoamento do imaginário; estou no mau lugar do amor, que é seu lugar iluminado: “o lugar mais sombrio, diz um proverbio chinês, é sempre embaixo da lâmpada.”.
Apesar dessas dificuldades, tentemos algumas delimitações do conceito. Em primeiro lugar, na linguagem comum, amor é usado em diversas acepções, desde as materiais – o amor ao dinheiro – até as religiosas, como o amor a Deus. Fala-se também do amor à pátria, ao trabalho e à justiça. É bem verdade que, em algumas dessas acepções, outros termos seriam mais apropriados, tais como o desejo de posse ao dinheiro, o interesse ou gosto pelo trabalho, o empenho moral na defesa da justiça e assim por diante.
Para evitar confusões, distinguiremos três tipos de amor: filía, ágape e eros.

a)      Filía
O termo grego filía (philia) geralmente é traduzido por “amizade”. Trata-se do amor vivido na família ou entre os membros de uma comunidade. Os laços de afeto que o expressam são, em tese, a generosidade, o desprendimento e a reciprocidade, isto é, a estima mútua.
Além desse sentido geral, distinguimos a amizade propriamente dita, quando um vínculo mais forte une pessoas que se escolheram pelo que cada um é. Por isso Aristóteles explica que “os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais verdadeiramente amigos”. E conclui:
Mas é natural que tais amizades não sejam muito frequentes, pois que tais homens são raros. Acresce que uma amizade dessa espécie exige tempo e familiaridade. Como diz o proverbio, os homens não podem conhecer-se mutuamente enquanto não houverem “provado sal junto”, e tampouco podem aceitar um ao outro e este não depositar confiança nele. Os que não tardam a mostrar mutuamente sinais de amizade desejam ser amigos, mas não o são a menos que ambos sejam estimáveis e o saibam; porque o desejo da amizade pode surgir depressa, mas a amizade não.

b)       Ágape
Ágape, do grego agápe, significa “amor fraterno”. Entre os cristãos primitivos, terno designava as refeições fraternais, em que se reuniam ricos e pobres, daí o sentido de “caridade”, de “amar ao próximo como a si mesmo”.
Esse tipo de amor não supõe reciprocidade, por que se ama sem esperar retribuição, assim como independe do valor moral do individuo que é objeto de nossa atenção. Em termos profanos—não mais religiosos --, trata-se da benevolência universal, a fraternidade pelo qual zelamos pelos outros.

c)       Eros
Eros refere-se às relações que costumamos chamar de amorosas propriamente ditas.
Diferentemente das outras expressões de amor já citadas, a paixão amorosa está associada á exclusividade e à reciprocidade. Por isso, ao contrario da tradição, que caracteriza o ser humano apenas como racional, poderíamos vê-lo também como “ser desejante”, tal é a força que impulsiona a busca do prazer e da alegria de conquistar o amado. Esse desejo, porém, não visa apenas a alcançar o outro como objeto. Mais que isso, busca o reconhecimento do amado, quer capturar sua consciência, porque o apaixonado deseja o desejo do outro.
É de tal ordem a força desse impulso que foi necessário o controle dos instintos agressivos e sexuais, para que a civilização pudesse existir. O mundo humano organizou-se com a instauração da lei e, consequentemente, com a interdição, pois as proibições estabelecem regras que tornam possível a vida em comum.
No entanto, a sexualidade humana não é simplesmente biológica, não resulta exclusivamente do funcionamento glandular nem se submete á mera imposição de regras sociais. Embora a atividade sexual seja comum aos animais, apenas os humanos a vivenciam como erotismo, como busca psicológica, independentemente do fim natural dado pela reprodução. A sexualidade humana é portanto a expressão do ser que deseja, escolhe, ama que se comunica com o mundo e com o outro, numa linguagem tanto mais humana quanto mais se exprime de maneira pessoal e única.

“Só sei que nada sei”

Em certa passagem de a Defesa de Sócrates, na qual se refere às calunias de que foi vitima, o próprio filosofo lembra quanto esteve em Delfos, local em que as pessoas consultavam o oráculo no templo de Apolo para saber assuntos religiosos, políticos ou ainda sobre o futuro. Lá, quando o seu amigo Querofonte consultou Pítia indagando se havia alguém mais sábio do que seu mestre Sócrates, ouviu uma resposta negativa. Surpreendido com a resposta do oráculo, Sócrates resolveu investigar por si próprio que se dizia sábio. Sua fala é assim relatada por Platão:
Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: “Eis aqui uma mais sábio que eu, quanto tu disseste que eu o era!”. Submeti a exame essa pessoa – é escusado dizer o seu nome: era um de seus políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me, então a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não era. A consequência foi tornar-me odiado dele e de muitos circunstantes. Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nos saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não supor que sabia o que não sei”. Daí fui ter com outro, um dos que passam por ainda mais sábios e tive a mesmíssima impressão; também ali me tornei odiado dele e de muitos outros.
Ao ler essa passagem, podemos entender como a máxima socrática “só sei que nada sei” surgiu como ponto de partida para o filosofar. Podemos então fazer algumas observações:
·         Sócrates não esta voltado para si mesmo como um pensador alheio ao mundo, e sim na praça publica.
·         Seu conhecimento não deriva de um saber acabado, porque é vivo e em processo de se fazer, tendo por conteúdo a experiência cotidiana.
·         Guia-se pelo principio de que nada sabe e, dessa perplexidade primeira, inicia a interrogação e o questionamento de tudo que parece óbvio.
·         Ao criticar o saber dogmático, não quer com isso dizer que ele próprio seja detentor de um saber. Desperta as consciências adormecidas, mas não se considera um “farol” que ilumina: o caminho novo deve ser construído pela discussão, que é intersubjetiva, pela busca das soluções.
·         Sócrates é “subversivo” porque “desnorteia”, perturba a “ordem” do conhecer e do fazer, e por isso incomoda tanto os poderosos.

O QUE É MITO?

Como processo de compreensão da realidade, o mito não é lenda, pura fantasia, mas a verdade. Quando pensamos em verdade, é comum nos referimos á coerência lógica, garantida pelo rigor da argumentação e pela apresentação de provas. A verdade do mito, porém, resulta de uma intuição compreensiva da realidade, cujas as raízes se fundam na emoção e na afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar o mundo de maneira argumentativa, o mito expressa o que desejamos ou tememos, como somos atraídos pelas coisas ou como delas nos afastamos. Não se trata, porém, de qualquer intuição. Para melhor circunscrever o conceito de mito, precisamos de outro componente – o mistério --, pois ele sempre é um enigma a ser decifrado e como tal representa nosso espanto diante do mundo.
Segundo alguns intérpretes, o “falar sobre o mundo” simbolizado pelo mito esta impregnando do desejo humano de afugentar a insegurança, os temores e a angústia diante do desconhecido, do perigo e da morte. Para tanto, os relatos míticos se sustentam na crença, na fé em forças superiores que protegem ou ameaçam, recompensam ou castigam.
Entre as comunidades tribais, os mitos constituem um discurso de tal força que se estende por todas as esferas da realidade vivida. Desse modo, o sagrado (ou seja, a relação entre a pessoa e o divino) permeia todos os campos da atividade humana. Por isso, os modelos de construção mítica são de natureza sobrenatural, isto é, recorre-se aos deuses para essa compreensão do real.