segunda-feira, 11 de junho de 2012

A dialética platônica


Para melhor sintetizar a teoria do conhecimento de Platão, recorremos ao livro VII de A República, em que é relatada a famosa “alegoria da caverna”: pessoas estão acorrentadas desde a infância em uma caverna, de tal modo que enxergam apenas a parede ao fundo, na qual são projetadas sombras, que eles pensam ser a realidade. Trata-se, entretanto, da sombra de marionetes, empunhadas por pessoas atrás do muro, que também esconde uma fogueira. Se um dos indivíduos conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, ao regressar à caverna seus antigos companheiros o tomariam por louco e não acreditariam em suas palavras.
A alegoria da caverna representa as etapas da educação de um filósofo, ao sair do mundo das sombras (das aparências) para alcançar o conhecimento verdadeiro. Após essa experiência, ele deve voltar à caverna para orientar os demais e assumir o governo da cidade. Por isso análise de alegoria pode ser feita pelo menos de dois pontos de vista:
      ·         O político: com o retorno do filósofo-político que conhece a arte de governar;
      ·         E o epistemológico: quando o filósofo volta para despertar nos outros o conhecimento verdadeiro.
Platão distingue dois tipos de conhecimento: o sensível e o inteligível, que se se subdividem em outros graus.
Observando a ilustração da caverna, identificamos quatro formas da realidade:
      ·         As sombras: a aparência sensível das coisas.
      ·         As marionetes: a representação de animais, plantas etc., ou seja, das próprias coisas sensíveis;
      ·         O exterior da caverna: a realidade das ideias;
      ·         O sol: a suprema ideia do bem.
O muro representa a separação de dois tipos de conhecimento: o sensível (que corresponde às duas primeiras formas de realidade) e o inteligível (às duas últimas).
A alegoria da caverna é a metáfora que serve de base para Platão expor a dialética dos graus do conhecimento. Sais das sombras para a visão do Sol representa a passagem dos graus inferiores do conhecimento aos superiores: na teoria das ideias, Platão distingue o mundo sensível, o dos fenômenos, do mundo inteligível, o das ideias.
O mundo sensível, percebido pelos sentidos, é o local da multiplicidade, do movimento; é ilusório, pura sombra do verdadeiro do mundo. Por exemplo, mesmo que existam inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a ideia de abelha deve ser uma, imutável, a verdadeira realidade.
O mundo inteligível é alcançado pela dialética ascendente, que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a ideias do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas – na alegoria, corresponde à metáfora do Sol. Os seres em geral não existem senão enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza: o Deus de Platão.
Percebemos então que, acima do ilusório mundo sensível, há as ideias gerais, as essências imutáveis, que atingimos pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos. Como as ideias são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramente criticada por Aristóteles.
Se lembrarmos o que foi dito a respeito dos pré-socráticos, podemos constatar que Platão procura superar a oposição entre o pensamento de Heráclito, que afirma a mutabilidade essencial do ser, e o de Parmênides, para quem o ser é imóvel. Platão resolve o problema: o mundo das ideias se refere ao ser parmenídeo, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano.
Como é possível ultrapassar o mundo das aparências ilusórias? Platão supõe que o puro espírito já teria contemplado o mundo das ideias, mas todo esquece quando se degrada ao se tornar prisioneiro do corpo, considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos são apenas ocasião para despertar na alma as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. Assim explica Platão no diálogo Mênon:
A alma é pois, imortal; renasceu repetidas vezes na existência e contemplou todas as coisas existentes tanto na Terra como no Hades e por isso não há nada que ela não conheça! Não é de espantar que ela seja capaz de evocar à memória a lembrança de objetos que viu anteriormente, e que se relacionam tanto com a virtude como com as outras coisas existentes. Toda a natureza, com efeito, é uma só, é um todo orgânico, e o espírito já viu todas as coisas; logo nada impede que ao nos lembrarmos de uma coisa – o que nós, homens, chamamos de “saber” – todas as outras coisas acorram imediata e maquinalmente à nossa consciência. [...] pois sempre, toda investigação e ciência são apenas simples recordação.
A fala transcrita no texto é de Sócrates, que conversa com Mênon. Para ilustrar a teoria da reminiscência, chama um escravo e lhe pede que examine umas figuras sensíveis e , por meio de perguntas, o estimula a “lembra-se” das ideias e a descobrir uma verdade geométrica.

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