Perguntamos então: e hoje, o desenvolvimento do pensamento
reflexivo teria decretado a morte da consciência mítica?
Augusto Comte, fundador do positivismo, responde
afirmativamente: ao explicar a evolução da humanidade, define a maturidade do espírito
humano pela superação de todas as formas míticas e religiosas. Dessa maneira,
opõe radicalmente mito e razão, ao mesmo tempo que inferioriza o mito como
tentativa fracassada de explicação da realidade.
No entanto, ao criticar o mito e exaltar a ciência,
contraditoriamente o positivismo fez nascer o mito do cientificismo, ou seja, a
crença cega na ciência como única forma de saber possível. Desse modo, o
positivismo mostra-se reducionista, já que, bem sabemos a ciência não é a única
interpretação válida do real.
De fato, existem outros modos de compreensão, como o senso
comum, a filosofia, a arte, a religião, e nenhuma delas exclui o fato de o mito
estar na raiz da inteligibilidade. A função fabuladora persiste não só nos
contos populares, no folclore, como também na vida diária quando proferimos
certas palavras ricas de ressonância míticas – casa, lar, amor, pai, mãe, paz,
liberdade, morte – cuja definição objetiva não esgota os significados que
ultrapassam os limites da própria subjetividade. Essas palavras nos remetem a
valores arquetípicos, modelos universais que existem na natureza inconsciente e
primitiva de todos nós.
Para finalizar...
O mito não se reduz a simples lendas, mas faz parte da vida
humana desde seus primórdios e ainda persiste no nosso cotidiano como uma das
experiências possíveis do existir humano, expressas por meio das crenças, dos
temores e desejos que nos mobilizam. No entanto, hoje os mitos não emergem com
a mesma força com que se impuseram nas sociedades tribais, porque o exercício
da crítica racional nos permite legitimá-los ou rejeita-los quando nos
desumanizam.
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