Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: “Eis aqui uma mais sábio que eu, quanto tu disseste que eu o era!”. Submeti a exame essa pessoa – é escusado dizer o seu nome: era um de seus políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me, então a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não era. A consequência foi tornar-me odiado dele e de muitos circunstantes. Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nos saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não supor que sabia o que não sei”. Daí fui ter com outro, um dos que passam por ainda mais sábios e tive a mesmíssima impressão; também ali me tornei odiado dele e de muitos outros.
Ao ler essa passagem, podemos entender como a máxima socrática “só sei que nada sei” surgiu como ponto de partida para o filosofar. Podemos então fazer algumas observações:
· Sócrates não esta voltado para si mesmo como um pensador alheio ao mundo, e sim na praça publica.
· Seu conhecimento não deriva de um saber acabado, porque é vivo e em processo de se fazer, tendo por conteúdo a experiência cotidiana.
· Guia-se pelo principio de que nada sabe e, dessa perplexidade primeira, inicia a interrogação e o questionamento de tudo que parece óbvio.
· Ao criticar o saber dogmático, não quer com isso dizer que ele próprio seja detentor de um saber. Desperta as consciências adormecidas, mas não se considera um “farol” que ilumina: o caminho novo deve ser construído pela discussão, que é intersubjetiva, pela busca das soluções.
· Sócrates é “subversivo” porque “desnorteia”, perturba a “ordem” do conhecer e do fazer, e por isso incomoda tanto os poderosos.
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